Fases de actividad
Fase I (Segunda metade do século I e século II)
O sítio do Martinhal teve uma primeira fase que está marcada apenas por alguns fragmentos de materiais cerâmicos, sobretudo dos séculos I e II d. C, e ainda abundantes tesselae e fragmentos de estuque pintado em contextos secundários e revolvidos. A única estrutura passível de ser associada a esta fase é a cisterna (Bernardes, 2008). Na verdade, não é possível caracterizar esta primeira fase, a não ser que corresponde, pelos materiais encontrados, a uma ocupação do tipo villa, domus ou qualquer outra edificação abastada que terá sido completamente arrasada aquando da construção da área oficinal. Aliás, aqueles materiais da primeira fase encontram-se frequentemente no enchimento dos caboucos ou nas camadas de entulho relacionadas com a construção da olaria, nomeadamente nas fundações dos fornos da arriba ou ainda no enchimento da fundação do muro do edifício da olaria. Alguns vestígios de muros junto à arriba a nascente deste edifício e da cisterna que alberga, poderão também ter pertencido a esta primeira fase.
Fase II (Meados do século III - Inícios do século V)
Em finais do século II ou, mais provavelmente, na primeira metade do século III, dá-se início à construção do grande edifício retangular que serve de officina. Na arriba, independentemente de já haver ou não um ou outro forno de ânforas, a construção da maior parte dos fornos datará a partir de meados do século III. Para a construção da olaria abrem-se no substrato rochoso caboucos para construção dos alicerces, afeiçoa-se, por vezes, a rocha-mãe que serve de piso aos compartimentos, constroem-se pilares na parte sul da estrutura retangular e cobre-se esta parte com telhado. De notar que nesta fase é provável que as telhas não sejam ainda de fabrico local tendo em conta que muitas delas são de pastas calcárias semelhantes às oriundas da Bética costeira. A olaria terá funcionado até inícios do século V (o que coincide com o final da ocupação do complexo piscícola próximo da Boca do Rio).
Datas limite de datações radiocarbónicas
Datas limite de datações radiocarbónicas dos fornos 1, 2, 5 e 6 (a 1 e 2 sigmas):
post quem: 230/130
ante quem: 420/440
(Bernardes et. al. 2013)
Espacios documentados
Barreiros
Tipo de espacio: Canteras al aire libre
Em toda a área do Martinhal, nomeadamente nas arribas onde se localizam os fornos, abundam as argilas. O aproveitamento desta zona para a produção cerâmica é conhecido ao longo da História, e não apenas em época romana, como comprova um documento do século XVI (ANTT, Chancelaria de D. João III, liv. 21, fl. 171 v.) onde se atesta a existência de fornos no local. De facto, Em 21 de Abril de 1536 D. João III doa as rendas dos fornos de telha e de tijolo da vila da Baleeira a Manuel de Freitas. Já no século XIX Pinho Leal no seu Portugal Antigo e Moderno (vol. VIII, p. 325) diz-nos que “no sítio da Baleeira, perto da vila de Sagres existia uma abundantíssima camada de argila esverdeada, facilmente fusível”. A tradição oleira no local manteve-se bem ativa até meados do século XX (Bernardes, 2008a, p. 210).
Armazenamento de argilas
Tipo de espacio: Fosas o estructuras de almacenamiento de arcillas o desgrasantes
Situado na parte sudoeste do edifício da olaria, na esquina formada pelo muro perimetral do edifício e o muro leste do forno de cerâmica de construção, detetou-se em 2006 uma espessa camada de um depósito de argila, já levigada e pronta a ser utilizada. Esta camada, de argila pura e homogénea, amarelada, pronta a ser trabalhada, assentava no substrato rochoso constituído por uma marga calcária cuidadosamente aplanada. Em 2011 constatou-se que esta camada de argila plástica continuava para nascente até às proximidades da fossa (descrita no ponto seguinte) preenchida com uma argila arenosa, muito amarelada, que deveria servir para misturar com a outra mais plástica (Bernardes, 2008a; Bernardes et al., 2013).
Fossa e base de mármore para bater argilas
Tipo de espacio: Estructuras para batir arcillas
Ao lado do depósito de argila depurada encontrou-se uma fossa circular escavada no substrato rochoso que guardava argila mais arenosa, muito amarelada, certamente destinada a quebrar a plasticidade da argila do depósito. Como o fundo da fossa não foi aplanado e estava preenchido com aquele sedimento argilo-arenoso, foi interpretada como destinada a guardar aquela argila não plástica e não tanto a amassar a argila (nesse caso o fundo teria sido regularizado). Esta fossa que encostava ao muro sul do edifício da olaria, media 1,6 m de diâmetro e tinha uma profundidade de cerca de 20/25 cm escavada no substrato rochoso e total de cerca de 55 cm contada a partir do nível de circulação. Este piso de circulação era constituído por argila que ia caindo no decorrer da atividade quotidiana que ali se praticava. No interior da fossa foi encontrada uma ânfora sem bocal cheia de argila, e junto ao pilar central do compartimento mais duas ânforas nas mesmas condições. O espaço de montagem das ânforas não foi identificado. No limite do segmento de círculo norte da fossa, e acima do piso de circulação, estava uma placa de mármore, fragmentada e bem assente em pequenos e frustes suportes constituídos por fragmentos de tijolos e pedras. A placa de mármore, de arestas boleadas e partida em 5 fragmentos (dos quais os 3 maiores in situ) media 178 cm x 56 cm x 6 cm e destinava-se, certamente, a amassar ou a bater as argilas que iriam daqui para a montagem.
Cisterna
Tipo de espacio: Depósitos de almacenamiento de agua
O abastecimento de água à olaria era feito a partir de uma cisterna que manteve parte da abóbada até 1989. Situada na parte nascente do edifício da olaria, é uma imponente e sólida estrutura construída em opus caementicium, parcialmente escavada no substrato rochoso, com abóbada de berço de que resta o arranque no canto SE. O topo da cobertura aparenta ter suportado outras estruturas, provavelmente da primeira fase de ocupação do sítio. Internamente a cisterna mede 5,5m de largura por 6,80 de comprimento e 2,70m de altura medida a partir do buraco de adução de água situado na cobertura até à sua base. Estas dimensões permitiriam uma capacidade de armazenamento ligeiramente superior aos 100m3 de água. Esta água seria recolhida das chuvas e canalizada para a cisterna, entrando aí por aberturas como a detetada no canto Sw da abóbada. No canto oposto, na parede nascente e junto ao arranque da abóbada, foi detetado um buraco circular ou conduta aberta na parede e revestida a opus signinum, visível ainda num enorme bloco caído no interior da estrutura, que deveria corresponder ao escape ou escoamento das águas quando o reservatório atingisse a sua capacidade máxima. As suas paredes internas eram rebocadas e o pavimento feito de tijoleiras. Algumas cerâmicas do século XII encontradas na parte frontal da cisterna apontam para que no final da época islâmica ainda cumprisse a sua função de receptáculo de água.
Área de secagem
Tipo de espacio: Secaderos
A oeste da cisterna, no prolongamento do grande edifício retangular, ficaria a área da secagem. Na campanha de 1989 abriu-se nesta área, junto ao canto SW da cisterna, uma sondagem onde foram encontrados fragmentos de bicos fundeiros e de bordos de ânforas secos, mas não cozidos. Numa outra sondagem aberta sobre o muro sul do grande compartimento a cerca de 6 metros para Oeste da cisterna identificou-se uma porta aberta nesse muro, com soleira in situ, medindo 1,2 m de largo. Em ambas as sondagens detetou-se um nível de derrube de telhas que mostra que também aqui, tal como na área mais a oeste escavada em 2011 onde se fazia a preparação da argila, o edifício era coberto com telhado. De referir que, em 2006, foi encontrado num pequeno compartimento entre o muro norte da cisterna e o muro perimetral do edifício da olaria, uma camada fina de areia sobre o pavimento de seixos desse compartimento e que poderia estar relacionada com o sedimento espalhado sobre o pavimento para evitar o pegamento das peças húmidas ao pavimento durante o processo de secagem.
Tipo de espacio: Edificios alfareros
A olaria ou officina, localizada a cerca de 15 metros por trás dos fornos, é constituída por um enorme edifício com cerca de 42 metros de comprimento por 11 de largura dividido internamente por uma série de compartimentos. Externamente este espaço retangular é definido por um muro perimetral em alvenaria bem construído, com cerca de 60 cm de largura. Uma sondagem na parte norte permitiu verificar a robusta fundação deste muro com 80 cm de profundidade. O terço norte deste edifício era ocupado por um extenso corredor ou galeria, descoberto, enquanto os restantes dois terços albergava compartimentos cobertos, , onde se destaca a cisterna do lado nascente e o forno de telhas no lado poente. Na parte central situavam-se depósitos de argila, áreas de trabalho para os oleiros e áreas de secagem das peças por eles fabricadas. Na extremidade poente, após o forno de telhas foi detetada uma área que já não está relacionada com a produção oleira mas que eventualmente se destinaria a alojamento, que a pequena área escavada não permitiu confirmar. Do lado norte do muro perimetral, numa camada de terra que constituiria o piso de circulação aquando da construção do muro e ao nível do ressalto que marca a transição para a fundação, apareceu um fragmento de Terra sigillata Hispânica e um outro de TSC A da forma Hayes 8b, e que poderá constituir um terminus post quem para a construção, a partir de finais do século II, de resto confirmado pela forma Hayes 45A de TSC C que apareceu nas fundações do muro perimetral junto ao forno de telhas.
Fornos
Tipo de espacio: Hornos
Os 9 fornos de ânforas conhecidos correspondem a um mesmo tipo: de planta ovalóide, com cerca de 3 metros de diâmetro, com corredor em arcatura que permite o acesso a câmara de combustão, parcialmente escavada na rocha, de onde arrancavam 4 ou 5 arcos que suportavam a grelha da câmara de cozedura. São integráveis no tipo 4 de Cuomo di Caprio (1971-1972). Aos fornos, que se dispunham em bateria e que apresentavam uma fachada pétrea, acedia-se, ao nível do corredor, por uma plataforma, hoje já desaparecida devido ao recuo da falésia. Análises laboratoriais a carvões recolhidos no interior destes fornos permitiram determinar que a urze branca, mas também a esteva e o medronheiro, eram as madeiras mais utilizadas como combustível na laboração destes fornos, entre meados do século III e inícios do V, de acordo com datações radiocarbónicas, numismas e cerâmicas finas.
O forno de cozer telhas, do tipo 6 de Cuomo di Caprio (1971-1972), possuía também corredor, câmara de combustão e de cozedura, ainda que apresente planta retangular, mais adequado ao formato das telhas a cozer. O corpo do forno com as suas duas câmaras enquadrava-se no interior do edifício da olaria, a poente do local de armazenamento das argilas e onde trabalhavam os oleiros, mas com a boca do corredor aberta para o exterior.
Áreas de trabalho anexas
Tipo de espacio: Áreas de trabajo anexas
A oeste da olaria foi identificado um edifício com dois tanques destinados à preparação de pastas e molhos de peixe. No seu interior foram detetados restos de preparados de peixe e ânforas de produção local que se destinavam a envasar esses produtos. Todavia, parece que a produção de preparados de peixe local não justificava, por si só, toda a produção de ânforas do sítio, que deveria abastecer outros complexos piscícolas da região, como o sítio vizinho da Boca do Rio. Na plataforma para nascente alguns troços de muros muito destruídos podem ser relacionados com a primeira fase de ocupação do sítio a partir de algumas cerâmicas finas associadas.
Entulheira
Tipo de espacio: Testares
Para além das áreas dos fornos onde ocorrem muitos desperdícios de material anfórico descartado, por toda a área arqueológica, nomeadamente em torno do edifício da olaria, existem entulheiras. No canto nordeste daquele edifício foi detetada uma entulheira com material produzido pelo forno de cerâmica de construção. Também nas sondagens abertas entre o edifício da olaria e a arriba onde se encontram os fornos de ânforas são frequentes entulhos resultantes de material anfórico descartado dos fornos.